Provavelmente o assunto que circulou de forma mais intensa nos últimos dias foi sobre a paralisação nas estradas e o desabastecimento no Brasil. Apesar de ser uma situação extremamente grave e delicada, creio que tenha sido um momento de reflexão para o Governo, empresas e sociedade de uma forma geral.
Analisando todo o contexto com as evidências que estavam de fato disponível, e deixando emoções e opiniões guardadas, fiz um paralelo com o que vivemos desde a semana passada com processos de gestão, identificando “lições” que podemos tirar da paralisação nas estradas para o contexto organizacional. Abaixo apresento os 3 aprendizados:
Lição 1: Dependência de um modelo de negócio. Segundo a CNT (Confederação Nacional do Transporte) cerca de 60% do transporte de cargas no Brasil concentra-se no modal rodoviário. Além disso, pode-se observar a aflição que inúmeras pessoas vivenciaram por não ter combustível, seja para se deslocar até o trabalho, para fazer tratamentos médicos, dentre outras necessidades de locomoção. Este fator é agravado nas grandes metrópoles, principalmente na maior cidade do Brasil, São Paulo, onde de acordo com o Detran no mês de abril de 2018 o número da frota total de veículos (incluindo motos, ônibus, caminhões e carros) era de 8.694.466 (oito milhões, seiscentos e noventa e quatro mil e quatrocentos e sessenta e seis), sendo somente a frota de automóvel 6.111.071 (seis milhões, cento e onze mil e sete um) correspondendo a um pouco mais de 70% do total da frota. Ou seja, São Paulo como o Brasil de uma maneira total praticamente parou.
Aprendizado 1:
Pode parecer óbvio, mas na minha visão o óbvio não é tão óbvio assim. Uma possível saída para a situação da paralisação seria ter um plano B (e talvez C, D E …) considerando como não ficar totalmente dependente de uma única via logística para recebimento de produtos/insumos. Talvez depois dessa situação seja interessante considerar (apesar de haver necessidade de investimentos) a utilização e incentivo a outros modais como o ferroviário e o aquaviário, haja vista que pensar em logística e infraestrutura é estratégico para qualquer país.
Outra ponderação que fiz, e acredito que outras pessoas também fizeram, foi sobre o deslocamento nas cidades. A média que os paulistanos levam em deslocamentos diários com base no trajeto residência-trabalho era de 2 horas e 58 minutos segundo pesquisa do Ibope em setembro de 2016. Por necessidade na terça-feira (29/05/18) e hoje (30/05/218) utilizei a bicicleta como meio de transporte (bastante diferente de quando vou aos domingos na ciclofaixa por lazer). A surpresa agradável foi aproveitar duas ciclovias próximas da minha casa, entretanto a extensão delas era curta para os trajetos que realizei, precisando andar entre os carros, principalmente na faixa da direita onde geralmente os ônibus trafegam. Tenho consciência do desafio que é pensar mobilidade urbana com base na quantidade de habitantes nos grandes centros, só que a locomoção poderia melhor se houvesse políticas públicas para integrar bicicletas com ônibus e metrô; ampliando o número de estacionamentos seguros para bicicletas e locais para se trocar para quem usasse a “bike” para trabalhar; incentivando a dedução de impostos para quem contribuísse para diminuir a poluição sem um carro a mais nas ruas. Outro ponto, seria desenvolver parcerias entre diferentes transportes públicos, taxistas e motoristas de aplicativos favorecendo a priorização por transportes em grande quantidade de pessoas como ônibus, metrô e trem ao invés do veículo com apenas uma pessoa como o automóvel. A questão da segurança em transportes públicos é um item a parte, mas não pretendo me aprofundar neste tema, pois é possível escrever um post somente sobre desafios da mobilidade urbana no Brasil. Voltando ao paralelo com o mundo dos negócios: empresas que não revisitam seu modelo de negócio e que não ficam de olho nas mudanças do ambiente externo, podem sofrer e até desaparecer.
Lição 2: Pode esperar que a crise irá chegar. Foi visível que a resposta do Governo frente à essa crise da paralisação nas rodovias demorou a ser dada. É necessário ter pessoas capacitadas a fazer gestão de crises, pois como a economia nos mostra existem períodos de crescimento e outros de desaceleração. Estar atento e saber responder às mudanças destes ciclos é muito relevante nos negócios.
Aprendizado 2:
Um dos casos mais emblemáticos sobre gestão de crise no contexto empresarial foi a situação envolvendo o medicamento Tylenol da farmacêutica J&J, quando circulou nos Estados Unidos a notícia que três pessoas (posteriormente, subiu para sete), que moravam em Chicago, tinha morrido envenenadas com cianeto depois da ingestão do produto. A condução bem-sucedida da J&J é reconhecida até hoje, apesar do fato ter ocorrido em 1982. Encarar que a crise é real, ter uma rápida ação para fazer a gestão dela e transmitir informações claras e objetivas são aspectos fundamentais para lidar com situações de crise. Um erro muitas vezes cometido por empresas (e governos) é negar o problema. Ao assumir o que está errado cria-se a possibilidade de pensar em soluções para lidar com o imbróglio a ser resolvido e procurar caminhos para se aproximar dos clientes/usuários, pois caso contrário a imagem da empresa/produto/governo pode ficar totalmente destruída.
Lição 3: Inovação não é mais questão de opção, é fator de sobrevivência. Interessante pensar que apesar de toda tecnologia e possibilidades que temos disponíveis a nós em pleno ano de 2018 com a paralisação nas rodovias ficamos praticamente “ilhados”. Neste cenário experimentamos uma situação que talvez houvesse mais pessoas dispostas a pagar uma quantia mais elevada por combustível do que por água ou alimentos. Esta situação também abre espaço para refletirmos nos valores das coisas (valor do valor). Ontem (terça-feira, dia 29/05/18) quando os postos começaram a ser reabastecidos novamente na grande maioria haviam filas imensas. Fiquei me perguntando se todo mundo que estava com seus carros parados nas filas realmente precisava de combustível ou a questão psicológica do “efeito manada” tinha surgido novamente.
Aprendizado 3:
Utilização de tecnologia e inovação para resolução de problemas. Investir em inovação tem um “preço”, por isso é fundamental identificar o que realmente está impactando o negócio e analisar como a inovação pode ser aplicada para gerar novas receitas para o negócio. Ainda estamos caminhando na evolução das entregas por drones, entretanto caso ocorra alguma paralisação parecida como tivemos em cinco anos provavelmente o impacto será menor. A BNSF Railway já faz voos de longa distância com drones nos EUA e pode ser o futuro (inicialmente como uma opção adicional) para empresas logísticas. Outra inovação que promete “abalar” muitas empresas vem do “movimento maker” (algo como “faça você mesmo”) onde as impressoras 3D criam produtos e até alimentos. Já existe carne (inclusive vegana) está sendo fabricada pelas impressoras 3D e a revolução na forma como consumimos produtos e como eles circularão pelo mundo será bastante diferente. A combinação entre tecnologia e inovação será cada vez mais necessária, principalmente para evitar paralisações nos negócios, seja elas momentâneas ou definitivas.
Fabrício César Bastos
Eu ajudo líderes e colaboradores individuais a melhorarem sua performance profissional por meio de treinamentos nas áreas de liderança, gestão e estratégia.